segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Da curiosidade que um dia ainda há de matar o rato!

Quando Dona Márcia ficou viúva sobraram-lhe as dívidas do funeral a uma inutilidade pública gritante, pois aos 56 anos nunca havia trabalho em nada que não fosse cozinha, sala, quartos e varanda, só sabia dos afazeres domésticos. Não tinha direito à pensão, pois Seu Humberto achava um desperdício pagar o carnê no INSS sendo ele marceneiro autônomo, precisa urgente de um emprego. 

Conseguiu uma vaga no guarda-volumes da rodoviária. Passava o dia ali, sentada recebendo bolsas e entregando cartões, recebendo cartões e entregando bolsas. Dona Márcia era muito curiosa, passou dias imaginando o que uma senhorinha de 75 anos guardava em sua bolsa amarelo-gema todos os dias. O que será que aquele rapaz enorme guarda na sua mochila camuflada? 

Certa vez, arriscou uma olhadela na sacola preta que uma moça de cabelos arrepiados havia deixado. Resultado: umas algemas, um chicote e um milho! Achou graça do milho de plástico, sorriu envergonhada, corou a face e jogou a sacola rapidamente para o fundo do nicho. E assim foi crescendo sua vontade de dar aquela olhada rápida e básica nos volumes ali deixados e conforme a vontade crescia, aumentava também a confiança em não ser pega. Passou a ficar horas imaginando o que as pessoas faziam com seus pertences, uns bem comuns, outros nem tanto.

Muito mal acostumada a fuxicar a bolsa alheia, Dona Márcia já estava passando da medida, como todos aqueles que se acham invencíveis, começou a pegar emprestado alguns objetos quando julgava que seu dono não haveria de sentir-lhes a falta. Começou pelo "milho" da tal menina de cabelos arrepiados, afinal, em meio a tanta coisa esquisita um milho era algo que ela conhecia. Agachou-se no cantinho e ficou observando aquele milho de plástico por um tempinho, quando chegou um cliente e depois outro e assim entre um cliente e outro ela olhava o milho ali no cantinho, parado, seus olhos não saíam de cima do objeto. Até que chegou a dona da bolsa para buscar seus pertences. Dona Márcia não sabia o que fazer, olhava pro milho e a moça sorrindo, olhava pro milho e a moça batendo o cartão no balcão, olhava pro milho e a moça debruçando sobre o balcão, olhava pro milho, sorria sem graça e a moça pedindo sua bolsa. Dona Márcia entregou a bolsa assim mesmo, sem o milho. A moça sentiu falta do objeto e perguntou onde estava, ela mostrou, a moça então sorriu sacana: "- Pode ficar pra senhora, faça bom proveito, a bateria está acabando mesmo!" e se despediu sorrateira.

Quando Dona Márcia, que agora já era proprietária do milho e podia manuseá-lo na frente de qualquer pessoa foi toda faceira procurar o seu bom uso, abriu afobada suas palhas e tomou um baita choque, se mijou toda e nunca mais quis saber de pamonha ou curau nessa vida.